Especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, planejada desde o ano passado, é importante, mas, neste momento, “ruim” e “inoportuna”.
Bolsonaro embarca na segunda-feira (14) e tem encontro marcado em Moscou com o presidente Vladimir Putin na quarta (16).
O pano de fundo da visita é a movimentação de tropas e os exercícios militares na fronteira com a Ucrânia e a acusação dos EUA de que a Rússia planeja invadir o país vizinho, o que Putin nega. Temendo a iminência de uma guerra, países ocidentais orientaram seus cidadãos a deixar a Ucrânia.
EUA alertam que Rússia pode invadir Ucrânia a qualquer momento.
Diplomatas e professores de relações internacionais avaliam que é a Rússia é um importante parceiro do Brasil, mas entendem que a viagem de Bolsonaro neste momento pode ampliar o desgaste do presidente brasileiro com outros parceiros, como EUA e União Europeia, ambos críticos de Putin.
“É legítima a viagem à Rússia, se justifica do ponto de vista comercial, mas o momento é muito ruim. Tem o risco de o presidente Bolsonaro fazer uma declaração impensada, descontrolada, que pode ter consequências ruins”, afirma Mauricio Santoro, doutor em ciência política e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A orientação da diplomacia brasileira para Bolsonaro é só falar sobre a crise entre Rússia e Ucrânia se Putin tocar no assunto. Mas o presidente já antecipou que espera uma solução pacífica.
‘O timing da visita de Bolsonaro à Rússia torna a posição do Brasil extremamente complicada’, diz professor.
Para Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington, a visita de Bolsonaro é “extremamente inoportuna”.
Segundo ele, eventuais acordos não terão impacto no comércio, enquanto o presidente aumentará o isolamento com líderes ocidentais, apesar da tentativa de demonstrar o contrário.
De acordo com o diplomata, Bolsonaro acena à base conservadora porque também irá à Hungria, governada pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, líder de extrema-direita.
“Esse tipo de viagem apenas reforça a imagem que Bolsonaro já tem, a de ser um autoritário. Ele vai visitar dois autocratas, figuras antidemocráticas”, diz Rubens Ricupero.
No mês passado, o presidente negou que a visita represente um sinal de apoio à Rússia no atual contexto de crise. Mas, segundo Ricupero, mesmo que Bolsonaro tente se manter neutro, a viagem será interpretada como um gesto pró-Putin, uma vez que na diplomacia “o que você faz, muitas vezes, tem mais eloquência que uma declaração”.
Para o professor Mauricio Santoro, a presença de Bolsonaro em Moscou faz parte do esforço de Putin para mostrar que não está isolado – recentemente visitaram o país os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Argentina, Alberto Fernández.
“Receber o presidente brasileiro é importante porque os russos querem evitar essa imagem de que estejam dependendo basicamente do apoio de países como Belarus ou China”, diz.
O Itamaraty tenta desvincular a viagem de Bolsonaro do conflito na Ucrânia e destaca a oportunidade de ampliar a relação comercial com a Rússia, concentrada no agronegócio, que movimenta cerca de US$ 5 bilhões ao ano.
A cifra é considerada inferior à capacidade comercial dos dois países. O Brasil vende produtos como soja e carne, enquanto compra, em especial, fertilizantes. A Rússia também é um grande produtor de petróleo.
“O comércio [bilateral] representa menos de 2% nas pautas de importação/exportação dos dois países. O comércio exterior da Rússia está voltado para a Europa e se concentra na venda de gás natural e petróleo. Em outras partes do mundo, o grosso é concentrado na venda de armamentos. O Brasil não participa como parceiro importante nesses dois setores”, explica o professor Fabiano Mielniczuk, doutor em relações internacionais e coordenador do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
De acordo com o Itamaraty, Bolsonaro é o sexto presidente a visitar a Rússia. Brasil e Rússia têm relações diplomáticas desde 1828, com dois períodos de interrupção, e se tornaram parceiros estratégicos em 2000. Os países estão no Brics, bloco de economias emergentes, junto com China, África do Sul e Índia.
“Nossa relação com a Rússia é sólida e independe da solução de conflito com a Ucrânia. Também estamos no Brics, uma plataforma de interlocução com grandes países, que inclusive influenciam na governança do mundo”, explica Aloysio Nunes, ministro das Relações Exteriores no governo de Michel Temer (2016-2018).
Redação: Rádio SIM FM | 12/02/2022